Falar é a maneira mais simples de transmitir informação de um HD (o cérebro de uma pessoa) para outro (o cérebro de outra pessoa).
Nunca se inventou uma maneira mais fácil de
passar conhecimento adiante. Mas, para que essa comunicação seja bem-sucedida, é bom que quem
esteja falando domine alguns princípios.
É a arte de falar bem. Ela envolve um bom
conteúdo, um orador treinado, uma bela dose de emoção e bastante coragem.
Afinal, para muita gente, só a ideia de abrir a boca já é aterrorizante.
Em 2013, a empresa britânica OnePoll
divulgou os resultados de uma pesquisa feita com 2 mil voluntários, que
perguntava quais eram as situações que mais lhes causavam temor.
Falar em público só ficou atrás do medo de
perder entes queridos, e ganhou do medo de ser enterrado vivo, de cobras, de
fogo e até do medo do fim do mundo.
Há milênios, os seres humanos têm se
debruçado sobre as melhores maneiras de encarar o grande desafio que é abrir a
boca na frente de outras pessoas.
Na Antiguidade, os pensadores chamavam isso
de retórica – e gastaram bibliotecas inteiras estudando suas técnicas.
No século 20, foram inventados os livros de
autoajuda: um dos mais importantes foi o de Dale Carnegie, Como Falar em
Público e Influenciar Pessoas no Mundo dos Negócios (ele também foi o autor de
Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas).
No século 21, é a vez da ciência entrar no
assunto: tom de voz, palavras por minuto, expressão corporal – tudo isso ajuda
a superar o medo e passa uma boa mensagem. Nas próximas páginas, olhamos para
esses séculos de conhecimentos e compilamos as melhores dicas para você se
tornar um orador de boca cheia.
1. Tenha algo a dizer.
A primeira dica é também a mais óbvia.
Saber o que dizer é escapar de obstáculos no meio do caminho. O primeiro deles
é o ego inflado.
Só conte detalhes da sua vida se eles forem
indispensáveis à mensagem que você quer passar. Vamos supor que você teve uma
infância pobre, mas que, depois de muita luta, tornou-se o presidente de uma
grande empresa – e você quer falar sobre a importância do trabalho duro.
Nesse caso, sua história pessoal até é um
bom exemplo. Mas mencionar detalhes dispensáveis, tipo o itinerário do ônibus
que você tinha que pegar para chegar ao trabalho em 1995, vai resultar num
ouvinte aborrecido. O segundo obstáculo é mais difícil de transpor: a falta de
foco.
Aí o jeito é ser o mais específico
possível. Bole uma fala sobre um assunto singular – e inesperado. Falar sobre
“trabalho duro”, por exemplo, pode ser interessante.
Mas mais interessante seria falar sobre
“como o trabalho duro transformou um menino pobre em milionário”.
E superinteressante (turuntss) mesmo seria
contar “por que o trabalho duro às vezes não é suficiente para vencer na vida”.
Quanto mais detalhada e inovadora a sua
proposta, mais chance de você saber o que dizer. E já leva à próxima dica…
2. Faça um resumo.
Todo ano, algumas das pessoas mais
criativas do mundo se reúnem no TED, uma grande conferência global de
palestras.
Tem escritor, tem rockstar, tem inventor,
tem ativista, tem CEO, tem comediante. O que não tem é apresentação chata.
Pode conferir: as melhores estão no YouTube
e no próprio site do TED, e já foram vistas mais de 1 bilhão de vezes.
As TED talks, como são chamadas as
palestras, têm outra coisa em comum: são todas curtas, raramente ultrapassam os
20 minutos.
O que pouca gente sabe é que, quanto menor
for o seu tempo de palco, mais longa vai ser a sua preparação.
É que resumir consiste em deixar coisas de
fora. Para isso, tente resumir a sua ideia em, no máximo, 15 palavras – e
coloque-a no papel.
Mude os termos, mexa na estrutura da frase,
pense em sinônimos que expressem melhor a sua teoria. Encontre profundidade e
emoção.
Esse exercício é importante para garantir
que a sua fala não vá para uma direção inesperada. O resumo vai servir de farol
para toda a sua apresentação: se você não conseguir enfiar todos os assuntos
importantes em 15 palavras, talvez seja sinal de que o discurso tem assunto
demais.
Corte. Caso contrário, você terá que passar
por eles de forma muito rápida, superficial – e de maneira que o público não
vai se envolver.
3. Manipule.
“Senhoras e senhores da turma de 98: Usem
filtro solar”. Lembra desse discurso? Quando viralizou nos e-mails no fim dos
anos 1990, foi atribuído a um professor prestes a morrer de câncer de pele, que
falava aos seus alunos sobre o sentido da vida.
O texto é da jornalista Mary Schmich, e
ficou famoso no Brasil na voz de Pedro Bial. Na verdade, não era um discurso –
foi publicado originalmente num jornal.
Mas fez um sucesso estrondoso. Tudo graças
a alguns ingredientes essenciais, como uma narrativa simétrica (ele começa e
termina falando sobre filtro solar), o fator surpresa e a conexão emocional.
Se você quiser apenas uma dica para as suas
palestras, anote esta: mire no sistema límbico.
Essa é aquela parte do cérebro que controla
nossas emoções (pense no lugar onde ficam os personagens do filme Divertidamente).
Compartilhar memórias relevantes, que
tenham apelo emocional e com as quais seja fácil se identificar, faz com que a
plateia embarque no que você disser.
Histórias de superação, de amor e de morte
são imbatíveis nesse quesito – mas atenção: o ideal é que as emoções sejam
reais. O público consegue farejar de longe quando o palestrante está apelando.
4. Improviso x decoreba.
No dia 28 de agosto de 1963, nos degraus do
Memorial Lincoln, em Washington, Martin Luther King disse que tinha um sonho –
e mudou a história dos negros nos EUA. Mas as palavras mais famosas de um dos
discursos mais marcantes da história quase ficaram de fora.
O momento era tenso. O movimento negro
queria fazer pressão para que o presidente John F. Kennedy assinasse uma lei
que garantisse a igualdade racial no país, mas o discurso de King tinha de ser
pensado com cuidado para não pisar no calo de ninguém.
Ele começou seguindo à risca as palavras
escritas por uma equipe de assessores, numa cadência até monótona.
Mas, lá pelo décimo minuto, a cantora
Mahalia Jackson, que já tinha ouvido outros discursos mais inspirados de Luther
King, pediu para que ele falasse do sonho.
Ele ouviu. E improvisou. No ano seguinte, a
lei foi assinada e Martin Luther King ganhou o Nobel da Paz. Tudo graças ao jogo
de cintura.
Uma das decisões mais difíceis que você vai
tomar ao bolar a sua fala é: melhor decorar o texto ou melhor deixar espaço
para o improviso?
A vantagem do roteiro é que você terá
controle sobre o tema e o tempo. Se essa for sua decisão, você vai ter de
memorizar cada palavra – e então repetir as frases até que elas não pareçam
decoradas. Acredite, isso é difícil.
O seu roteiro deverá ser em linguagem
coloquial, próxima da fala.
Se não houver cuidado nessa parte, você vai
parecer num jogral. E ninguém suporta isso. Já em reuniões de trabalho ou
apresentações para clientes, por exemplo, o improviso é mais comum.
Aí o importante é decorar a mensagem que
você quer passar. Prepare-se para o pior. E se der um branco? E se você
esquecer algum detalhe? E se o tempo acabar?
5. O começo e o fim.
O começo de uma palestra é a hora de
agarrar o seu público pela nuca. Procure no YouTube a palestra da comediante
Maysoon Zayid no TED.
Ela tem um tipo de paralisia cerebral que
faz com que o seu corpo trema o tempo todo. A apresentação começa assim: “Eu
não estou bêbada – mas o médico que fez o meu parto estava”.
Pronto: com uma piada que carrega uma
grande carga dramática, você está fisgado. Drama, aliás, é uma bela maneira de
começar, principalmente se a sua fala vai propor soluções para esse problema,
ou discuti-lo de uma maneira leve, como Zayid fez.
Se você tem uma informação surpreendente,
jogue-a para os primeiros segundos. Vai mostrar uma foto? Diga, antes de
revelar, que aquela imagem mudou a sua vida.
Em questão de segundos, você terá a atenção
da plateia toda. O cérebro humano adora experimentar uma novidade. Uma surpresa
boa é o equivalente a uma injeção de dopamina, o neurotransmissor do prazer.
Um elemento inesperado também deixa as
pessoas em alerta, graças à liberação de noradrenalina, ligada ao estado de
vigília.
Um início de palestra que, ao mesmo tempo,
surpreenda e anuncie surpresas maiores ainda por vir é praticamente infalível.
O final da palestra é igualmente importante
– e difícil. “É o momento de maior emoção. Se o orador não fizer uma boa
leitura da plateia, pode usar emoção demais ou de menos e até comprometer o
discurso”, diz o professor de expressão verbal Reinaldo Polito.
O objetivo da sua fala era expor um
problema? Sugira uma solução prática, prometa fazer a sua parte, convide a
plateia a fazer o mesmo.
Se você citou uma história curiosa lá no
início, volte a ela no fim. O importante é garantir que a audiência saia sem a
sensação de que ficou faltando alguma coisa.
6. Ensaie, ensaie, ensaie.
Se você optar pela decoreba, vai ter de se
acostumar com a repetição. Foi assim que você guardou aquele hit grudento do
Carnaval passado, e é assim que a sua fala vai ganhar vida.
É durante a repetição que você vai
adicionar frases, mudar palavras e ganhar familiaridade com seu próprio texto.
Em seguida, convide amigos ou membros da família para ensaiar.
Faça perguntas específicas para obter um
feedback eficiente. Eis alguns exemplos infalíveis:
“Deu para entender o que eu disse? Alguma
parte ficou confusa? Fiz algum movimento estranho com as mãos? Em algum momento
pareceu que eu estava recitando um texto decorado? Usei alguma palavra que não
soou bem? Gaguejei? Minha voz deu sono? O que você mudaria no meu discurso?”
Ouça as opiniões dos críticos, incorpore
mudanças e repita o processo. E fique de olho no relógio.
Se você tem meia hora para falar, é ideal
que se planeje para terminar em 28 minutos.
7. Jogo de corpo.
Agora que o roteiro da sua fala está na
ponta da língua, é hora de afiar a linguagem corporal. A segunda palestra mais
popular da história do TED, com quase 50 milhões de visualizações, é sobre
power posing (algo como “poses do poder”).
Durante 20 minutos, a psicóloga Amy Cuddy
mostra as maravilhas de uma expressão corporal clara, assertiva e positiva.
Para ela, aparecer no palco como a Mulher
Maravilha, com o queixo erguido e as mãos na cintura, causa mais do que um
efeito psicológico na plateia: altera o cérebro do palestrante.
A ideia do power posing é a seguinte:
quando uma pessoa adota uma postura de “poder”, com o peito aberto, nariz
empinado e braços à mostra, ela acredita na própria capacidade.
Assim, seu corpo é inundado com doses de
testosterona, o hormônio associado à dominância e à assertividade. Em
contrapartida, caem os níveis de cortisol, o hormônio do stress.
Essa mudança química faz com que o sujeito
fique mais disposto a se arriscar. Ou seja, além de parecer um super-herói aos
olhos do público, a pessoa também se sente um.
A teoria não é infalível. Em 2015, uma
pesquisa feita com um número maior de voluntários e metodologia diferente não
identificou indícios suficientes para dizer que fazer pose altera os hormônios
do corpo.
No entanto, os efeitos na plateia são
perceptíveis. Afinal, é muito mais fácil se engajar na fala de uma pessoa com
boa presença de palco e que não se esconde do público.
A postura não é a sua única arma corporal.
O rosto também é capaz de muito. Não deixe de fazer contato visual com a
plateia – seres humanos são programados para detectar os menores movimentos nos
músculos ao redor dos olhos e estamos o tempo todo tentando interpretar as
expressões alheias. Faça isso com as pessoas que estiverem mais próximas.
Elas farão o mesmo. Olhar nos olhos faz com
que dois cérebros comecem a entrar em sintonia, inconscientemente. Isso
funciona especialmente bem em apresentações de trabalho ou ambientes menores.
Culpa dos neurônios-espelho (os mesmos que
fazem com que a gente sinta vergonha alheia, por exemplo). Se um olhar firme
estiver acompanhado de um sorriso, você já estará a meio caminho andado para o
sucesso.
8. Fique tranquilo. (Ou não).
Em 1998, os tabloides exploraram até a
última gota o caso extraconjugal que o então presidente dos EUA, Bill Clinton,
teve com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky.
O escândalo abalou o governo de Clinton,
mas certamente pesou mais para o lado da moça, que foi publicamente humilhada
numa época em que a internet começava a se popularizar.
Dezessete anos depois, Monica Lewinsky
resolveu contar a sua versão dos fatos. Diante de uma plateia ansiosa, no TED
de 2015, falou sobre sua experiência traumática com o cyberbullying.
Para alguém que desenvolveu pavor da
opinião pública, não era um trauma fácil de enfrentar no palco.
No dia de seu discurso, Lewinsky se
preparou com uma rotina de relaxamento: exercícios de voz, mantras, uma curta
caminhada para liberar adrenalina e até uma sessão relâmpago de meditação.
Mesmo assim, não dá para dizer que ela
estava calma. Pelo contrário: ela disse que estava sentindo “relâmpagos de
medo”.
Deu para ver. Ao longo dos 20 minutos de
seu discurso, a moça mostrou alguma insegurança e deu umas travadas.
É compreensível. Quando você está diante de
uma situação ameaçadora ou desafiadora, a amígdala (área do cérebro responsável
por respostas automáticas e instintivas) libera adrenalina, dilata os vasos
sanguíneos e deixa você em estado de alerta.
Aí o neocórtex cerebral (o departamento que
cuida das decisões racionais) entra em ação e tenta convencer o seu corpo de
que vai ficar tudo bem.
No caso das pessoas muito tímidas, essa
autoajuda do neocórtex não funciona tão bem, e a luzinha de alerta continua
acesa. A adrenalina seca a boca e faz gaguejar.
Se você for desse tipo, vale fazer o que
Lewinsky tentou: respirar fundo para oxigenar o cérebro, beber água (mas não
muito a ponto de encher a bexiga) e evitar comidas pesadas.
Mas também tem outro jeito de encarar o
desafio. A psicóloga americana Alison Wood Brooks, da Harvard Business School,
descobriu que tentar manter a calma nem sempre é o melhor caminho para, bem,
manter a calma.
Numa série de estudos, ela analisou o
estado mental de 450 voluntários antes de performances públicas (como fazer
discursos ou cantar no karaokê) em duas situações: quando eles tentavam se
acalmar ou quando abraçavam a ansiedade e a excitação do momento.
As pessoas que repetiam para si mesmas
frases como “estou empolgada” mostraram uma tendência a encarar a situação como
uma oportunidade, não como uma ameaça.
E se saíram melhor que as que tentaram se
acalmar. Para a cientista, é tudo uma questão de coerência.
Encontre o ritual que deixe você mais
confortável e se, mesmo assim, o nervosismo não passar, pense que você pode
usá-lo a seu favor.
9. Dite o ritmo.
Em média, as 3 mil palavras escritas neste
texto até agora levam 15 minutos para ser lidas, já que conseguimos ler mais ou
menos 200 termos por minuto.
Uma boa apresentação é mais lenta: varia
entre 130 e 170 palavras por minuto. O discurso “Eu tenho um sonho”, de Martin
Luther King, tem por volta de 100 palavras/minuto.
No contexto em que ele foi dito, fazia
sentido. Não dá para acelerar demais quando você fala para 200 mil pessoas.
Mas, se seu público é menor, o importante é variar.
Você pode diminuir o ritmo ao se aproximar
de um tema espinhoso, como quando Monica Lewinsky falou sobre os momentos mais
dolorosos de sua vida.
Explicar um conceito complicado também
exige calma. Dê espaços longos entre as palavras e permita que seu público
absorva o que você acabou de dizer. Mas está liberado acelerar o ritmo para
construir um clímax ou contar uma piada, por exemplo.
10. Hora do show.
Em 2015, pesquisadores canadenses
entrevistaram 2 mil voluntários e monitoraram seus cérebros para tentar
descobrir o limiar de atenção médio de um ser humano.
Ou seja, por quanto tempo uma pessoa se
concentra sem se distrair. O resultado? Bem menos tempo do que você levou para
ler este parágrafo até agora: 8 segundos. É o que você vai ter para agarrar a
atenção do seu público.
Pintou uma tremedeira no início da fala?
Tente uma piadinha inofensiva sobre como você está nervoso. Ao longo de anos na
curadoria do TED, Chris Anderson descobriu que a audiência costuma sentir
empatia pelas pessoas que admitem o próprio nervosismo.
“Seus ouvintes vão torcer ainda mais pelo
seu sucesso”, diz. Depois, encontre entre a plateia aqueles três ou quatro que
parecem mais interessados. Em vez de fixar o olhar num ponto do horizonte, olhe
diretamente para esses seus novos amigos.
A sensação será que você está tendo uma
conversa franca com todo mundo.
Depois que você tiver gabaritado os
primeiros minutos, lembre-se de que o pior já passou. Respire fundo e corra
para o abraço.
Fonte: Superinteressante via Exame.com
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